terça-feira, 19 de março de 2013

Livremente

No final de semana passado eu aluguei três filmes, dois deles até então inéditos para mim. Antes de escrever sobre eles, quero aproveitar para dar uma pequena observação. A grana está curta, o tempo idem. Tenho uma jornada de trabalho maior do que no meu emprego anterior, porém o salário é menor. Valeu capetalismo! Essa combinação desastrosa me fez abrir mão de conferir os filmes que estão em cartaz. Deixar passar em branco O lado bom da vida, O Mestre, Colegas e Mama. Ouço sussurros de "ah Shil, baixe pela internet". Quem me dera meus amigos, o pc lá de casa morreu e eu me viro acesso a internet nos computadores disponíveis no trabalho e quando vou à biblioteca. Chega a ser desesperadora a ideia de não ir ao cinema, aquele meu momento de puro escapismo, de deixar os problemas lá fora e viver as mais incríveis histórias. Mas ainda existem as locadoras, escolhi três filmes que saíram mais baratos do que uma sessão no Cinemark aos fins de semana. 

O primeiro que vi foi "Sherlock Holmes e o Jogo das Sombras". Era para eu ter visto nas minhas férias do ano passado, mas meu amigo conseguiu me convencer a assistir O Gato de Botas. Sábia escolha, não me arrependo da troca. O longa é a continuação do primeira e bem sucedida aventura do detetive e seu amigo doutor Watson, que já não era aquela obra-prima mas era divertida e com boas cenas de ação. Nessa sequência o diretor Guy Ritchie fez mais do mesmo e nem os talentosos protagonistas Robert Downey Jr (Holmes) e Jude Law (Watson) salvam a película. As cenas de ação são previsíveis e cansativas, vide as Holmes' vision (aqueles momentos em que o detetive antevê os golpes que dará em seus inimigos)  e as piadinhas sobre o relacionamento entre Holmes e Watson já deram o que tinham de dar! Considerei o vilão apático e os coadjuvantes pouco acrescentaram à trama. O final foi tão anticlímax, que eu até levei um susto, tipo "já acabou, é isso?". Que o Robert é um p*ta ator isso eu não nego mas ele parece fazer o mesmo personagem (*cof cof Tony Stark, cof cof!!). Gostaria muito que ele realizasse outros projetos só para apresentar à essa nova leva de fãs que ele também é um ator dramático e não vive apenas de sucessos blockbusters!




O domingo eu reservei para rever Sangue Negro. Cada vez que eu o assisto, mais eu fico impressionada com o magnetismo que ele me causa. Não é uma película fácil para os mais jovens e inquietos, pois ela começa com uma sequência de quase quinze minutos sem nenhum diálogo. Ah sim, só para situá-los, Sangue Negro narra a trajetória de Daniel Plainview, de um modesto minerador de prata até virar um poderoso explorador de petróleo no início do século passado. O papel principal caiu nas mãos de Daniel Day-Lewis, em mais um show de atuação. Quando o vejo dentro de um buraco em busca de minério não  me restam dúvidas: ele deve ter passado no mínimo 3 meses aprendendo o ofício para dar autenticidade ao personagem. O trabalho de composição para os seus papéis é um assombro, beirando a perfeição. Incrível como ele consegue criar trejeitos, mudar de sotaque, tudo feito de forma minuciosa. Por isso sou apaixonada por esse homem. Sangue Negro foi lançado em 2007 e no ano seguinte Daniel Day-Lewis foi laureado com sua segunda estatueta de melhor ator (e a terceira veio neste ano por "Lincoln'). 



Nossa, eu já escrevi demais mas tudo isso foi só um aperitivo. A força motora deste texto foi o terceiro filme escolhido por mim, visto na última segunda-feira. O Escafandro e a Borboleta é um filme francês lançado em  2007 e é a adaptação do livro homônimo, escrito por Jean Dominique Bauby. Vencedor de dois Globos de Ouro (melhor direção e melhor filme estrangeiro) e teve quatro indicações ao Oscar. Eu já tinha lido matérias e críticas elogiosas em revistas especializadas e lembro de ter assistido as cerimônias de entrega de prêmios citadas na  frase anterior. Não sei o porquê de ter demorado tanto para vê-lo. Há dois fatos curiosos sobre esse título. Um é que eu  não consigo falar Escafandro logo de primeira, acabo sempre enrolando a língua e sai coisas como escafrando ou escrafrando (até parece um palavrão!). Não tem jeito, eu  tenho de falar devagarinho, O Es-ca-faaaaan-dro e a Borboleta. A outra coisa é que  eu não tinha a menor  ideia do que era um escafandro! Por um certo momento eu achei que fosse um inseto (por  culpada borboleta que o acompanha no título). Só depois de assistir ao filme que saquei do que se trata:


Bom, vamos à história. O livro que inspirou o filme é a autobiografia de  Jean Dominique Bauby, jornalista e editor da revista Elle francesa. Aos 43 anos ele sofre um acidente vascular cerebral (o famoso AVC) e fica em coma por 20 dias. Ao acordar, percebe que ele perdeu sua capacidade de se movimentar e falar. Ele só conseguia piscar o seu olho esquerdo. Os médicos explicam que isso é conhecido como a Síndrome de Locked-in (ou Síndrome de Encarceramento). A fonoaudióloga dele desenvolveu um método para que ele pudesse se comunicar: as letras do alfabeto eram ditadas lentamente e ele piscava a pálpebra quando a letra que queria era falada. No início era bem cansativo, imaginem só ele ditar letra por letra. Mas com o tempo as assistentes e médicos já poderiam deduzir quais palavras ele queria dizer, o que tornava o processo todo mais rápido.



Eu nunca tinha visto uma obra do diretor Julian Schnabel, tão pouco conhecia os atores desta produção. A única pessoa conhecida por mim era o diretor de fotografia Janusz Kamiński. Uau Shil, como você se prende aos detalhes técnicos! Nem tanto meus caros, nem tanto. Não tenho tal conhecimento para avaliar se a fotografia de um filme está adequada; eu uso mais a sensação que ela causa. E sim, eu gosto de ler as fichas técnicas dos filmes, por isso eu sei q Janusz Kamiński já trabalhou com o Steven Spielberg desde A Lista de Schindler. Mesmo que você não seja um expert em fotografia cinematográfica logo perceberá que em O Escafandro... há um quê de diferente. Quando o Jean Do desperta do coma nós temos a sua visão, ou melhor explicando, a sua perspectiva. É como se a câmera fosse o olhar dele  (semelhante ao clipe Smack my Bitch up, do Prodigy). Se o diretor queria nos fazer sentir na pele a situação do Jean, pontos para ele! Era algo que beirava ao claustrofóbico. E é aí que entra o trabalho de Janusz: as imagens ora ficavam desfocadas, ora as luzes pareciam faixas coloridas e distorcidas, a visão por vezes está "torta", fora de enquadramento. Vou tentar exemplificar para vocês. Imagine vocês dormindo num quarto escuro e de repente aquele danado do seu irmão entra e acende a luz inesperadamente. Os olhos ficam incomodados com a luz, né verdade? Irrita que até chega sair algumas lágrimas. Esse é o mundo de Jean. Durante boa parte do filme o rosto dele não é exibido e a curiosidade só aumenta. Durante essa passagem os médicos tentam um tipo de comunicação com o paciente de um modo, digamos, meio desastroso, com muitas conversas cheios de temos técnicos. Até eles estão surpresos com o estado de Jean. O protagonista fala através de sua consciência, com toques de ironias e uma certa amargura.



Essa história tinha tudo para ser piegas e o diretor poderia optar por criar um dramalhão arranca lágrimas. Mas para nossa sorte o filme é francês, logo não tivemos aquela previsibilidade hollywoodiana. As belas imagens mesclando passado e presente, a narrativa peculiar de Jean e a sensibilidade alcançada pelo diretor são os grandes trunfos e o maior premiado somos nós, os expectadores. Eu não senti dó, nem chorei rios de lágrimas, mas o filme me proporcionou momentos de reflexão. 

Eu, ou melhor, todos nós não temos controle completo sobre nosso destino. Não saberemos se acordaremos amanhã. se conseguiremos evitar um queda da escada ou se corremos o risco de ser assaltados perto de casa. Hoje, eu estou saudável, sofrendo apenas de estresse mas eu ando, falo, ouço, vejo e sinto. Que desespero seria ser privada dos meus sentidos! E num país onde "pessoas não-deficientes" já não usufruem de conforto em locais públicos e nos meios de transportes, imaginem para alguém que só se comunicaria através de uma piscadela? Outra coisa que fiquei matutando: eu não preciso passar por algum acidente, eu já me encontro encarcerada dentro de mim. Eu não posso mais ir aos lugares que tanto aprecio, não tomo mais minhas próprias decisões. Estou presa numa teia, uma mosca toda enrolada num emaranhado de fios grudentos pronta para ser devorada. Como mencionei no início do texto, eu estou trabalhando e o serviço é muito, mas muito exaustivo, daquele que suga o seu ânimo. Já tive oportunidade de trabalhar em outros call centers mas esse é de longe o mais bagunçado. Acordo cinco e meia  da manhã para chegar até o meu destino às oito e meia. E só saio de lá às cinco e quarenta e duas da tarde!!!!! Qualquer compromisso ou assunto que eu tenha de resolver tenho que sacrificar o meu horário de almoço. Não sobra tempo para eu pensar, é passar todas essas horas focada em procedimentos e mais procedimentos. Do que me adianta ter o sábado e domingo como folgas? Saudade das escalas 6x1, pelo menos tinha vida social. Sabe aquela famosa cena do Chaplin em Tempos Modernos? O operário tornando um alienado no meio da produção de uma fábrica até que ele chega a ser "engolido" pelas engrenagens? É assim que me sinto: abaixe a cabeça e obedeça! Toda a minha criatividade fica fervilhando no meu cérebro. Como não posso encaminhar meus rascunhos para meu e-mail pessoal, eu tenho que memorizar todo o esboço dos textos. Lógico que quando chego aqui na biblioteca e coloco a mão na massa muito do que eu pensei eu esqueci e o texto nunca sai do modo como imaginei no princípio. E me perco dentro de mim em pensamentos, com aquela vontade de falar "certas verdades" bem alto, na cara mas que devo engolir a seco. 

Mas eu até que reclamo de barriga cheia. Um homem ditou um livro através do piscar do seu olho esquerdo, imaginem o quanto ele tinha que se concentrar e repassar mentalmente suas histórias. Curiosamente esse é o segundo...para tudo. Um senhor sentou no computador ao lado e me pediu ajuda para acessar o Orkut. Ele apresenta dificuldade na fala, o rosto levemente paralisado no lado esquerdo. Sim, agora sim eu me emocionei. Conversei aqui uns 15 minutos, realmente ele sofreu um AVC há 11 anos. O mais interessante ele ter falado que Deus quis que esse encontro acontecesse. Segundo ele nada é por acaso, não é mesmo? Eu educadamente respondo que sou ateia e que considero uma feliz coincidência. E fiquei mais encorajada em não ficar mais presa dentro da minha mente. Livremente...


Soundtrack










2 comentários:

Unknown disse...

Puxa Shil, primeiro quero me desculpa pela demora em acompanhar seus posts, hehe. Assim como vc comenta neste com o tema "Livremente" eu tbm ando um tanto atarefado e a rotina do trabalho na sua grande maioria me vence. Mas eu adorei os comentários sobre os 3 filmes, confesso q não assisti nenhum deles, porem me instigou. hehe.
Adoro sua linha de raciocínio e a criatividade nas comparações como a do Prodigy, kkkkkkkkk. Confesso q me emocionei no trecho q vc comenta sobre o senhor q tbm tinha sofrido AVC, o meu avô é vitima de AVC (haha estranho dizer vitima) e realmente é uma situação no qual limita em varias atividades comuns do dia a dia. Fico muito feliz ao perceber q mesmo estanto atarefada e sufocada, ainda se preocupa em exercer atividades q lhe agradam e faz tão bem.=)) Amei as Músicas, principalmente a da Tiê (amoamoamoamoamoamoamo) Isso me inspira. =)

Unknown disse...

Ps: Ignore os erros, haha.