domingo, 24 de março de 2013

Embarcando com Gil Vicente

Finalmente vou escrever sobre um livro no qual a história não é baseada em fatos reais, tão pouco narrado  em primeira pessoa. Escolhi um clássico revisitado, O auto da barca do inferno de Gil Vicente. Ah Shil, puta livro chato, só li porque cai no vestibular e nunca mais me aventurei a lê-lo novamente. Eu entendo vocês, o fato do livro estar relacionado em uma lista obrigatória já desperta uma aversão dos alunos. Em um mundo perfeito todas as pessoas teriam o hábito da leitura ( de bons livros é claro, 50 tons de cinza não vale) por livre e espontânea vontade. Empurrar um livro de mil e quinhentos e trá-lá-lá para um jovem é uma tarefa árdua. É que galerinha é um tantinho arrogante, chegando até a desprezar tudo aquilo que foi criado antes do seu tempo. Cabe um incentivo e um grande jogo de cintura dos professores para tornar a obra relevante aos alunos. 

Vocês devem estar se perguntando, Shil, você escreveu que é uma versão revisitada, como assim? Então meus caros, eu li uma versão d'O auto da barca do inferno em quadrinhos, concebido por Laudo Ferreira. Eu achei essa ideia fantástica, tornando o conteúdo mais atraente. Claro que, assim como uma adaptação cinematográfica, converter uma história para os quadrinhos limita um pouco a imaginação do leitor. Antes cada personagem tinha a imagem criada por MIM, pessoas que só existiram na minha mente fértil. Por outro lado é legal perceber nos desenhos alguns detalhes que passaram despercebidos por mim quando li O auto... pela primeira vez. Analisando pela perspectiva estética, o traço escolhido pelo Laudo Ferreira é bem forte, lembrando bastante as charges que são publicadas em  jornais. Me chamaram a atenção as figuras do Diabo e do Anjo. Na minha visão, o Berzebu seria mais elegante, andrógino, um olhar mais frio e ao mesmo tempo cínico e com um pequeno toque de humor (um humor negro, é claro). O Diabo apresentado na HQ é mais bufante, diria mais, um tanto quanto carnavalesco. Confesso que no início me decepcionou um pouco; mas depois observado mais, ele até me lembrou o vocalista do System of a Down ( ^.^ ):

Eis a capa do livro

Não concordam que ele seria perfeita encarnação do demônio?



A figura do Anjo também divergiu da minha; eu tinha em mente aquela figura clássica de roupa branca, cabelos cacheados e um olhar que transbordava bondade... A visão do Laudo foi de uma figura mais severa, daquelas que devem impor respeito, sabe. E de imediato eu me lembrei do anjo Gabriel do filme Constantine, interpretado pela Tilda.

Esse anjo mete mais medo do que o próprio demo!


Esse anjo impõe respeito!


Para quem não é familiarizado com a obra vicentina aqui vai a sinopse: a história começa num porto onde há duas barcas: uma vai para o paraíso, guiada pelo Anjo,e a outra para o inferno, comandada pelo Diabo e seu ajudante. Conforme o decorrer da história os futuros tripulantes - os defuntos - chegam meio desorientados e são surpreendidos pelo Coisa-Ruim. Apresentam-se na seguinte ordem: o fidalgo, o onzeneiro, o parvo, o sapateiro, o frade e sua moça Florença, Brísida Vaz (a alcoviteira), o judeu, o corregedor e o procurador, o enforcado e os quatros cavaleiros. O Diabo e o Anjo são alegorias representantes do Mal e do Bem, atuando como juízes do julgamento das almas, levando em conta todas as ações dos personagens na Terra. Portanto o Auto da barca do inferno é uma peça totalmente moralista. É como se o Gil quisesse expor toda a fragilidade moral da sociedade portuguesa do seu tempo. Imagine se ele vivesse no Brasil e tivesse acesso às maracutaias que rolam soltas no nosso congresso! Nem livros ele precisaria publicar, ele criaria a página Gil Vicente da Depressão no Facebook e nos brindaria com várias críticas bem humoradas. 

Não posso negar que o Diabo é a figura mais me fascina nessa peça. Não, por favor não associem o fato de  eu ser ateia com adoração com o tinhoso. Se eu não acredito em deus também não acredito no oposto. Ocorre que nessa história ele é um juiz tão impiedoso quanto o próprio Anjo, porém apresenta diálogos tão envolventes e convincentes para com os defuntos, apresentando-se como uma figura sarcástica, bem humorada, rindo da hipocrisia das personagens. Aliás, isso me lembrou de uma matéria de uma edição especial da revista Super Interessante que eu tenho guardada desde maio de 2009. O tema é Deus e a revista traz matérias sobre a existência ou não de deus, o  embate sobre a religião e a ciência, entrevista com teólogos e cientistas. Há duas páginas destinadas ao demo, por razão do livro Satã, uma biografia, de Henry  Ansgar Kelly. Aqui vai a reprodução de parte da matéria:

"A história original do demônio-aquela que está registrada os textos bíblicos- foi deturpada ao longo dos tempos. Na verdade, o diabo não seria tão ruim assim. E a difamação começou nos primeiros séculos do cristianismo. Para o pesquisador americano, a Bíblia revela que o demônio era uma espécie de "empregado de deus"- uma entidade moralmente correta, encarregada de perseguir e acusar os pecadores, porém os pais da igreja, ao interpretar o episódio bíblico de Adão e Eva no jardim do Éden, associaram-no à imagem da serpente traiçoeira. A partir daí, diz Kelly, ele foi se transformando em inimigo de deus, até virar a representação máxima do mal."


Esse meu reencontro com O auto da barca do inferno me fez lembrar de outras obras que contavam com a presença ilustre do Cão. As mais memoráveis para mim são essas:

O Auto da Compadecida - interpretado por Luís Melo


Hoje é dia de Maria - interpretado por Ricardo Blat 


O Advogado do Diabo - interpretado pro Al Pacino

Por isso eu falo: Al is All!!!

As Bruxas de Eastwick - Jack Nicholson ( porque pra mim, se o diabo existisse ele seria o próprio Jack!)


A Profecia (1976) - o Damien dessa versão é mais assustador do que a versão de 2006

Essa trilha me causa calafrios!!!!

Soundtrack







Espero que nenhum de vocês queiram me exorcizar da próxima vez que me virem!


2 comentários:

Unknown disse...

Puxa Shil! adorei este post. Eu não sou fã de literatura brasileira mas acho esse livro incrível embora tenha um texto bem difícil. kkkkkkkkkkkk.
Eu sou budista, porem respeito as religiões e acho fantástico a forma q o texto do livro fala sobre o Demônio. Eu não cheguei a ver a versão q vc postou mas como eu acho "maior legal" quadrinhos acredito q deve ser muito interessante. Eu fiquei muito curioso para ver alguns deses filmes q vc postou o Trailer nos quais eu ainda não vi. mas O clipe do Sabbath fechou com chave de Ouro! ^^

Unknown disse...

Coitado do Serj. kkkkkkkkk